Como superar uma crise existencial?

Tempo de leitura: 7 minutos

O QUE É A CRISE EXISTENCIAL?

Uma crise existencial é um momento na vida de uma pessoa em que ela se depara com questões profundas sobre o significado, propósito e direção de sua existência. É um momento de dúvidas intensas, nas quais parece que quanto mais você pensa sobre algo, mas esse algo fica distante.

Na filosofia, vários autores abordam questões existencialistas ligadas à essa profunda crise sobre a vida, tais como Jean Paul Sartre, Kierkegaard, Heidegger, Rollo May, Viktor Frankl, Nietzsche, Yalom, entre outros. 

A Psicologia desempenha um papel crucial na compreensão e na abordagem desses momentos de introspecção e incertezas. Através do estudo das crises existenciais, os Psicólogos buscam entender como as pessoas lidam com questões fundamentais, como identidade, finitude, liberdade e valores pessoais, e como essas questões podem impactar a saúde mental e emocional.

A proposta aqui hoje é pensar junto com vocês sobre esse fenômeno que não é incomum e quem sabe, te ajudar a pensar em possibilidades mais genuínas para lidar com esse momento tão desafiador.

Nós já temos um conteúdo exclusivo falando apenas sobre o que é essa crise existencial. Se você está chegando agora por aqui ou se ainda não acompanhou esse bate papo, te convido a passar por lá também que vai te ajudar a entender sobre o que estamos falando aqui hoje.

Como eu comentei no início, vários autores, tanto da Psicologia quanto da Filosofia se dedicaram a escrever suas perspectivas a respeito das crises existenciais. Dando aqui um panorama imensamente resumido, mas que pode ser útil para esse primeiro momento. 

É importante ressaltar que eu sou uma Psicóloga da Fenomenologia Existencial, especialista em Psicologia Clínica tendo como base os conceitos existencialistas, então, todo o repertório que eu vou trazer aqui faz parte de uma seleção de leituras dentro da fenomenologia existencial e da filosofia existencialista. Avisando para vocês entenderem de onde eu estou partindo com a linha do raciocínio.

Jean-Paul Sartre: um dos principais filósofos existencialistas, abordou a crise existencial como uma parte fundamental da existência humana. Para Sartre, a crise existencial está intrinsecamente ligada à sua concepção da existência como sendo “condenada à liberdade”. Ele argumenta que os seres humanos são livres para fazer escolhas, mas essa liberdade vem com a responsabilidade de criar seus próprios valores e significados na vida.

Rollo May: um influente psicólogo existencialista, abordou a crise existencial de maneira mais focalizada na perspectiva psicológica do que na filosófica. Para May, uma crise existencial é um estado de desequilíbrio emocional e psicológico no qual uma pessoa enfrenta questões profundas e muitas vezes perturbadoras sobre sua existência, seu propósito na vida e sua relação com o mundo. Uma característica fundamental da crise existencial, de acordo com Rollo May, é a confrontação direta com a ansiedade, o medo e a angústia existencial.

Kierkegaard: filósofo existencialista, abordou a crise existencial sob o prisma da angústia e da religiosidade. Para ele, a crise existencial é fundamentalmente uma crise espiritual, uma angústia profunda que surge da tensão entre as dimensões finitas e infinitas da existência.

Kierkegaard via a angústia como um sentimento que emerge quando as pessoas confrontam a escolha entre a vida mundana e finita (a existência estética) e a vida moral e religiosa (a existência ética e religiosa). Ele acreditava que a angústia era uma reação natural à responsabilidade de fazer escolhas autênticas em relação à sua vida e à sua relação com Deus. Uma crise existencial, para Kierkegaard, envolve a necessidade de escolher entre a existência autêntica e a inautêntica

Já para Heidegger, a crise existencial surge quando um indivíduo se torna consciente da própria finitude e da inevitabilidade da morte. Isso provoca uma profunda ansiedade existencial, uma vez que confronta a pessoa com a ideia de que sua existência é efêmera e limitada. A consciência da finitude, para Heidegger, é o que leva a uma “angústia autêntica”, que é diferente da angústia cotidiana.

Claro, são várias camadas que podem contribuir para uma situação desestruturante como essa. Podemos pensar em questões políticas, sociais, culturais, fatores ligados ao trabalho, conflitos. A modernidade tem trazido questões novas que ainda não sabemos muito como isso poderá nos afetar futuramente. Um exemplo disso são as inteligências artificiais. 

Será que mudanças no relacionamento eu-mundo eu comigo mesmo proporcionado por novas tecnologias propiciarão o surgimento de novos estados de sofrimento? Fica o questionamento.

 

POSSÍVEIS CAUSAS

Não é incomum encontrar pessoas que estão passando por crises como essas no consultório. Não depende muito de idade, gênero, condição social, sexualidade, mas é óbvio que cada individualidade terá os seus desafios que também serão estruturados a partir das suas condições de vida.

Transições da vida: mudanças significativas, como formatura, casamento, divórcio, aposentadoria, podem desencadear uma crise existencial, já que elas frequentemente levantam questões sobre o próximo capítulo da vida.

Perda ou luto: A morte de um ente querido pode levar a uma profunda reflexão sobre a mortalidade, o significado da vida e a natureza do sofrimento.

Meia-idade: A “crise da meia-idade” é um exemplo clássico de uma crise existencial, na qual as pessoas frequentemente questionam suas escolhas e conquistas até aquele ponto, e se sentem ansiosas sobre o futuro.

Mudanças de crença: Uma mudança nas crenças religiosas, filosóficas ou políticas pode causar uma reavaliação profunda do significado e dos valores da vida.

Insatisfação profissional ou pessoal: Sentir-se preso em um emprego insatisfatório ou em um relacionamento pode levar a uma crise existencial, na qual as pessoas buscam uma vida mais significativa.

Se você já passou por algum momento de crise existencial, deixe aqui nos comentários. Vamos compartilhar experiências e assim, ajudar o próximo do seu próprio momento de descoberta.

É importante reconhecer que as crises existenciais não são necessariamente negativas. Elas podem ser momentos de crescimento pessoal, autodescoberta e transformação. Muitas vezes, esses momentos desafiantes levam as pessoas a reavaliar suas prioridades, a definir novos objetivos e a encontrar um significado mais profundo em suas vidas. A capacidade de enfrentar uma crise existencial e emergir dela com maior clareza e autenticidade é um aspecto importante da jornada humana.

Bem, pensando aqui em maneiras de superar um momento de crise como esse, nós podemos pensar em algumas estratégias que te ajudem a tomar decisões mais assertivas frente a um grande desafio:

Antes de tudo é necessário que se faça uma análise da experiência: Isso envolve a investigação de como as preocupações, dúvidas, angústias,  incertezas e ansiedades afetam a consciência e a percepção de si mesmo e do mundo. Buscar entender esse momento pode ser crucial, inclusive, para você aprender com essa nova fase.

A Psicoterapia com um Psicólogo formado e especializado pode te ajudar com isso.

Aceitação da experiência: Em vez de suprimir ou negar os sentimentos de angústia, dúvida e incerteza que surgem durante uma crise existencial, a psicologia fenomenológica-existencial enfatiza a importância de aceitar essas emoções e reconhecer que elas fazem parte da condição humana, mesmo que pareça mais rápido e fácil ignorá-las ou anestesiá-las.

Redescobrindo o significado: A fenomenologia incentiva a reflexão sobre como as crises existenciais podem levar as pessoas a reavaliar o significado de suas vidas. Ela examina como as pessoas buscam, muitas vezes de maneira intensa, um sentido mais profundo em meio à crise.

Construção de significado: Os filósofos existencialistas, como Jean-Paul Sartre, destacam a importância da liberdade e da responsabilidade na construção do significado da existência. Em uma crise existencial, as escolhas individuais e a admissão de responsabilidade por essas escolhas tornam-se centrais.

Eu sei que é ruim passar por um momento como esse, mas nessa fase aqui, a intenção é você se ver como uma pessoa em evolução, que tem suas próprias capacidades e habilidades para lidar com os seus desafios de vida. Assumir suas responsabilidades e se posicionar perante elas pode ser melhor do que apenas esperar passivamente.

Trabalhar a autenticidade: A fenomenologia frequentemente enfatiza a importância da autenticidade na existência. Em uma crise existencial, a questão de viver uma vida autêntica e em conformidade com os próprios valores e intenções pode ser aprofundada.

Lembra do desafio que é ter a liberdade para realizar as suas próprias escolhas? Aqui trabalhar os seus desejos, os seus valores, o que de fato faz sentido para você pode te ajudar muito na reconstrução dessa nova versão de si mesmo depois de uma quebra tão grande.

Está com medo? Vai com ele mesmo!

Exploração de perspectivas múltiplas: A fenomenologia valoriza a compreensão de diferentes perspectivas e pontos de vista. Isso pode ser útil em uma crise existencial, pois permite a exploração de diferentes ângulos e a consideração de alternativas.

Sabe aquela frase: nossa, eu nunca parei para pensar sobre isso? Para mim, no meu trabalho, essa é uma das melhores respostas que eu posso receber enquanto Psicóloga fenomenólogo-existencial. Pensar diferente a respeito das mesmas velhas coisas pode te dar um leque de concepções de vida muito maior. Você pode ter escolhas novas, que nunca tinha cogitado antes e isso é mágico!

 

ENCERRAMENTO

 Em resumo, a fenomenologia oferece uma abordagem que se concentra na experiência subjetiva e na forma como as pessoas dão sentido à sua existência. Ela pode ser aplicada para compreender mais profundamente as crises existenciais, suas origens, e as maneiras como as pessoas enfrentam e transformam essas crises em uma busca de significado e autenticidade.

Lidar com uma crise existencial pode ser um desafio profundo e introspectivo. É fundamental aceitar e reconhecer os sentimentos e dúvidas que estão surgindo. Isso envolve permitir-se questionar suas crenças, valores e escolhas de vida, sem julgamento. A autoaceitação é um passo crucial nesse processo.

A busca por apoio é outra estratégia valiosa. Falar com um terapeuta pode fornecer um espaço seguro para explorar suas preocupações e receber orientação. Amigos, familiares e grupos de apoio também podem ser recursos valiosos para compartilhar experiências e perspectivas.

Refletir sobre o que realmente importa para você é uma parte essencial do processo. Isso pode envolver a reavaliação de metas e prioridades, identificando o que traz satisfação e significado à sua vida.

A exploração de novas atividades, interesses e experiências pode ajudar a redescobrir o propósito e a paixão. Às vezes, uma crise existencial pode ser uma oportunidade de crescimento pessoal e autoconhecimento.

Lidar com uma crise existencial pode ser um processo demorado e desafiador, mas é uma oportunidade para se reconectar consigo mesmo e encontrar um caminho que seja verdadeiramente significativo. Cada pessoa enfrenta essa jornada de maneira única, e não há respostas definitivas. O importante é estar disposto a buscar o equilíbrio e a autenticidade em sua própria vida.

 

REFERÊNCIAS

FEIJOO, A.M. O homem em crise e a psicoterapia fenomenológico-existencial – Fenomenologia & Psicologia, 2013.

FEIJOO, A.M. A existência além do sujeito: a crise da subjetividade moderna e suas

repercussões para a possibilidade de uma clínica psicológica com fundamentos

fenomenológico-existenciais. Rio de janeiro: Viaveritá, 2011. 

FEIJOO, A.M. A clínica psicológica em uma inspiração fenomenológica – hermenêutica. Estudos e Pesquisas em Psicologia. Rio de Janeiro v. 12 n. 3 p. 973-986 2012

 

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